quarta-feira, 30 de dezembro de 2020

Este ano eu não escrevi nenhuma poesia

Este ano eu não escrevi nenhuma poesia.

Talvez algum verso tenha se formado em minha cabeça

Após ler algum poema, andar pelo quintal

Mas este ano eu não escrevi nenhuma poesia

Um fato inédito, desde 2004 talvez

Isso de não escrever nenhuma poesia

Durante todo o ano

Este primeiro era um poeminha

Sobre um barco que era apreciado pelo mar

De uma atividade de reforço em Português

Eu pedi a meu pai que lesse e adivinhasse o autor

E ele arriscou Cecília Meireles

E desde então eu confiei ter o dom de escrever poesia.

Eu ainda não conhecia o mar naquela época

Nem barco, nem pescador...

Na verdade, no meio deste ano tracei alguns versos sobre o rio.

Mas ele se sentiu melhor representado em linhas retas, de forma contínua, como é.

Aí não virou poesia.

Drummond também não conhecia o mar quando escreveu “A lagoa”, este que foi o primeiro poema que me chamou atenção.

Faltam dois dias para o ano terminar e dentre a ansiedade pelas coisas não feitas veio essa,

De não ter escrito sequer uma poesia.

Tenho poemas de indignação com a política, de épocas bem mais brandas,

de afazeres domésticos de épocas menos caseiras, de autoconhecimento, de períodos de menos convívio comigo mesma.

Mas este ano, de tantas erupções, eu não escrevi poesias.

Um ano histórico, uma pandemia. Tanto medo e mudança e nenhuma poesia.

Será que engoli todas? Porque eu sei ter visto ela com meus olhos, mas elas não caíram no papel, eu vi ela se sentando em meu lado por muitas vezes, mas é como se eu não decifrasse o que ela sussurrou em meu ouvido, apesar de sentir.

Para que escrevo? Para guardar sensações, momentos? E porque este ano eu não guardaria em uma poesia?



domingo, 26 de janeiro de 2020

IDEIAS SOBRE O VENTO


O poema surge quando as ideias se assentam
Caem fácil no papel pensando saber o que são
Mas as ideias têm dançado sem pausar...

Evitando sentir que sabe
Aceitando a fluidez
Contentando-se em observar somente

Como sacola entregue ao vento
Sabe não ser feita para isso
Mas dança melhor do que carrega qualquer coisa...

Se ela pousa,
Define-se como o que não quer ser só
Então segue simples
 Pra onde o vento levar

segunda-feira, 30 de dezembro de 2019

MINHA DEUSA MÃE



Minha mãe é toda natureza
Todo verde que ela toca floresce
E se há adoecimento de planta ou outro ser
Encontra nela a recomposição

Desde a forma que o dia amanhece
Até o cheiro aconchegante do bolo que cresce
Todo o equilíbrio da rotina
É controlado pela engrenagem Mãe

A minha criação vem dessa deusa
E tudo enquanto há neste nosso grande mundo lar
A mão dela está em tudo
Mas a gente acostuma a não notar

Não existe natureza boa ou má
Existe natureza bem ou não
E a gente sabe que quando ela desiquilibra
Todo o ecossistema anda na contramão

Suas fibras sempre fortes
Acostumadas a sustentar o mundo
Por vezes represou suas águas
Temendo diminuir potência

Certa vez, já em grande quantidade,
Essas águas enfraqueceram suas fibras
E tudo virou algia
Fibras que ardiam em todo o lar
A natureza toma seu tempo
Mas se restabelece
Minha mãe é uma deusa
E todo o lar ela aquece

A natureza da mãe
É a da mãe natureza
E sei que toda esta força que ela emana
É Perpétua

terça-feira, 16 de julho de 2019

A RESPOSTA



Como esse casal de gatos castrados
Que ocupa o dia um do outro
Sem nenhum outro ânimo
A não ser de sentir integrado.
Como os siameses da notícia da tv
que ao serem finalmente separados
pedem para ser colocados lado a lado.
Como um livro que gosta de ser lido
em voz alta pro outro ouvir.
Como o _check_ na lista de afazeres a cada tarefa cumprida.
Como a satisfação da roupa lavada recém estendida no varal.
Como a meditação que só acontece quando tem companhia.
Como a liberdade de saber minimamente estar na água sem se afogar.
Sem medo da vulnerabilidade em que me coloco
Ao tudo te contar, e tudo te ouvir.

terça-feira, 15 de janeiro de 2019

PARA LUDIBRILHAR



Caí num mundo de pessoas oficialmente interessantes
Todo mundo era bom, e articulado, e viajado, e descolado
Parceria que todo mundo estava pronto, sabia quem era
E eram entendidos de tudo

Fui contar a estranheza a um amigo
Que me advertiu, amigo que era
Realmente se preocupar:
Eu era básica demais, sem brilho
 e parecia me contentar.

Depois do choque,
fui buscar por aulas de tudo enquanto há
Imagine você que até em aula de noções musicais
Eu fui me matricular
Claro que não durou muito
Não tinha eu alí
E um dia,
Depois de muito me chatear
Entendi
Que não sou mesmo poliglota
Sei no máximo o mineirês
Não tenho um hobby definido
Não sei jogar xadrez
Não toco nenhum instrumento
Nem acertar o ritmo eu aguento
Não almejo grandes títulos acadêmicos no momento
Não sei os passos de dança nem das músicas mais famosas
Nem ao menos sei prender a atenção ao contar uma anedota!

Depois de um mês num vazio que só
Resolvi aceitar quem eu não era
E experimentar ser só esse tiquinho que eu era mesmo
E que costumava bastar
Foi aí que as pessoas
Conseguiram se conectar
Aí houve troca, envolvimento
Como sempre aconteceu
E vez ou outra, vê se pode?
Meus desacertos encantam alguém.
O cotidiano pacato que faço poesia
A dança desengonçada que faço liberdade
Um jeito muito (im)próprio de cantar
Que substitui as anedotas que não sei contar

Pretendo aprender muito sobre muitas coisas ainda
Estes versos não vem pregar a beleza da estagnação
Mas não caio mais na furada
De me buscar em um padrão
Um currículo pronto de algum campeão.

domingo, 16 de setembro de 2018

ESPETÁCULO NA VARANDA

A cortina de folhas 
das largas árvores da praça
faz suspense para a chegada da lua 
que vem subindo
toda cheia
de si
sabendo ser o astro mais esperado
da noite

Enquanto isso, a platéia
soltando suspiro de paz
na vanda que cheira a palo santo
se surpreende
com o amor que sente
por aquele espetáculo natural
Que se repete todo mês
Mas ganhou melhor palco
Naquela cidade do interior

quinta-feira, 30 de agosto de 2018

PERIQUITO


Moro hoje em uma casa
Feita pra lembrar que tudo é passageiro
Velozmente passageiro
e que especialmente nesta fase da minha vida
estou em trânsito.

Olho para o portão e o que vejo é uma rodovia de fluxo intenso
E nas costas da casa passa o trem, sempre apitando
para não passar despercebido
para lembrar que ele está passando
assim como a vida
assim como este momento de percurso da minha vida

Diminuindo cada vez mais as bagagens que levo nos braços
Que é para facilitar as mudanças repentinas
Tenho me adaptado para acomodar as bagagens
que se acumulam exponencialmente dentro de mim,
Como se eu tivesse receio de deixar algum detalhe para trás

Moro hoje em uma casa 
em que pintinhos viram frangos
e depois galinhas
com muita rapidez
para lembrar que o tempo está passando
Mas que a evolução é contínua

Esta casa, sorte a nossa
Também tem um pomar
Exibindo fertilidade e leveza
Doando frutos, honrando raízes,
Louvando com seus galhos os raros ventos
de toda tarde quente de Periquito

Sorte a nossa que atrás do trem corre o Rio
Que se transforma silencioso e constante
Mesmo quando nas temporadas caudalosas.

E assim o tempo pode passar
Que a gente vai equilibrando
o que aprendemos com o trem
com a BR
com os bichos,
com o rio
e com as árvores
que moram com a gente