terça-feira, 30 de setembro de 2014

NA VOLTA, PARA CASA


De frente para a janela
Em pé, no ônibus, voltando pra casa
Vejo a minha imagem se misturar
Com a estrada que corre lá fora
E estranho o reflexo que me encara...

No rosto fino e jovem
Sem vaidade nem muita expressão
Franze sobrancelhas sobre olhos miúdos
Eles me observam como quem pergunta:
Te conheço mesmo? Já te vi?

[É engraçado como deixamos
Que rostos estranhos
Se tornem mais familiares
 que o nosso próprio...]

E sem surpresa nem contentamento
Atravesso meu reflexo em reflexões
Enquanto planejo mais um dever de casa:
Preciso me conhecer melhor.

Desenho: Releitura de Magrite por Kelly Santos



domingo, 28 de setembro de 2014

AFAZERES DOMÉSTICOS


Enquanto corto os legumes do almoço
sozinha com meus pensamentos
ouvindo a Brasileiríssima,
crio versos
viajo nas letras das canções
inventando amores para elas... 
me dito contos, poemas, 
mas não os transcrevo, 
por causa das mãos molhadas. 

E quando toca aquela música que me toca, 
fecho a porta, aumento o som e canto alto, 
danço sozinha na cozinha, 
e por mais que o almoço atrase, 
não me há pressa, 
por isso não me apresse, 
que é pra não quebrar a prece, 
que se faz dentro de mim.

De tardinha, tudo pronto, 
é hora de me ditar, 
a poesia que se fez na cabeça, 
e no papel se quer guardar. 

De noite, antes de dormir, 
como ensinou o poeta
só me resta meditar, 
meditação que vira prece, 
até o sono chegar.

Desenho de Priscila Tonon

quinta-feira, 25 de setembro de 2014

CHUVA E COR

Se o moço de bicicleta
De guarda-chuva erguido
e capa AMARELA
soubesse o quanto enfeitou a chuva
olhando aqui da minha janela...

O fiz poesia
porque não sei usar aquarela.

BAILE DE MASCARAS

Posso dançar contigo
Todas as valsas da noite
Entregar-me em seus braços
Deixar-te conduzir meus passos
Pois o baile é de mascaras
E no fim da noite
Voltamos novamente
A sermos meros desconhecidos
Em meio à multidão

SERENATA AO AVESSO

Da calçada molhada
Ouço uma música sair pela janela
Um saxofone faz do sopro uma canção
E da calçada espero
Como quem faz uma serenata
Que venha alguém lá de dentro
Debruçar na janela
E como em uma novela
Por mim se apaixone

Uma serenata ao avesso
Uma confusa serenata
O músico está lá dentro e, tímido,
Não quer se apresentar
Enquanto na chuva, na rua
Meu olhar levantado procura
Com um gesto atencioso
Encantar o saxofonista
Como quem faz uma serenata.
Desenho de Kelly Santos

52 CARTAS

Há situações na vida
Que ficamos mesmo sem saber
Se nos cabe fazer certas escolhas
Ou caberá ao destino escolher

Às vezes ficamos inseguros
Com certas adversidades da vida
Elas parecem nos indicar algo
Com pedras maiores espalhadas no caminho

Será que estão cercando a estrada?
Indicando: “por aqui você não deve mais seguir”
Ou estão, em verdade, nos incentivando:
“Um salto mais alto você vai conseguir” ?

Certo é, que às vezes (e falo sério),
Acho que estou jogando baralho com o Destino
Esperando, ansiosamente, para saber
Qual a próxima carta Ele vai escolher

DOS VÁRIOS TIPOS DE POETAS


Tem gente que vive de poesia
Tem gente que a poesia vive dentro dele
e sai pra dar voltas
Tem gente que tem poesia
no fundo dos olhos
e deixa escapar versos
toda vez que eles fixam.
Tem até gente que respira poesia
E depois solta, em forma de borboletas

Desenho de Priscila Tonon

MAIS QUE O CORPO QUE ME VESTE


Porque sou mais que meu nome
Sou mais que o número que trago em minha identidade
Porque sou alma e sentimento
E cá dentro há um coração que bate

Mais que eu fora, sou eu dentro
E o de dentro é imortal
Bicho nenhum come o que eu sinto
o que eu penso...
Mesmo quando dentro de mim
Houver um coração que já não bate mais

Mesmo se já não houver
Mesmo quando o corpo se extinguir.
Desenho de Kelly Santos